27 de março de 2022

As cepas recombinantes do Coronavírus

Da Bíblia a mitologia grega, dos animais transgênicos aos organismos geneticamente modificados, os Recombinantes, figuras místicas caracterizadas por uma aparência híbrida de dois ou mais organismos, sempre estimularam a criatividade dos humanos. E agora estão presentes na narrativa da pandemia de COVID-19. O principal mecanismo de recombinação viral ocorre quando pessoas são infectadas ao mesmo tempo por mais de uma variante, e dentro de uma célula humana duplamente infectada a maquinaria de produção de mais cópias do vírus acaba misturando pedaços do material genético de uma variante com a da outra, produzindo uma combinação genética diferente das duas originais.

Já foram relatados raros casos de variantes genéticas do SARS-CoV-2 compostas por mistura de material genéticos das variantes Alfa e Delta, porem o fato da onda Delta mal ter terminado quando iniciou a onda Omicron, acabou tornando mais frequente o encontro destas duas variantes. Neste momento circulam em humanos pelo menos onze tipos de recombinantes do SARS-CoV-2, denominados de XA a XL, todos detectados inicialmente em janeiro de 2022. Destacam-se três; XD é fruto da mistura de material genético da variante Delta apenas com o gene Spike da variante BA.1 de Omicron. Foi descrita pela primeira vez na França, e já foi detectada em algumas dezenas de pacientes na Alemanha, Holanda, Dinamarca, Bélgica e Austrália. Possíveis casos estão sendo analisados na Índia, Israel e a FIOCRUZ analisa um possível primeiro caso no Brasil. A análise criteriosa é fundamental para evitar confusão com dupla infecção sem recombinação, ou falsos resultados devido a artefatos das técnicas laboratoriais de sequenciamento do genoma do vírus, como já ocorreu no Chipre. A variante XE, identificada inicialmente na Inglaterra e em seguida na Escócia e Irlanda, é composta pela mistura da região inicial do genoma da Omicron BA.1 com o resto do genoma da Omicron BA.2 incluindo sua Spike, foi detectada em cerca de quinhentas pessoas com COVID. Já a XF, composta pela mistura só da região inicial do genoma da Delta com o predomínio do genoma sendo da Omicron BA.2 incluindo sua Spike e genes para proteínas estruturais, foi detectada até o momento só na Inglaterra, em cerca de 50 pessoas.

A imaginação humana já teme uma variante monstruosa que somaria a severidade da Delta com a infectividade da Omicron, à primeira vista nenhum destes recombinantes já identificados parece conferir este tipo de vantagem ao Coronavirus. Dois tipos destas variantes recombinantes merecem mais atenção. Uma é a XD, pois contêm a Spike da Omicron BA.1 misturada com as proteínas estruturais de Delta. A atenção especial se deve ao fato de que existe a possibilidade que duas destas proteínas estruturais (M e E) conterem mutações que talvez comprometam o poder de Omicron infectar, mas estas mesmas mutações não estão presentes na Delta. A recombinante XD não tem estas mutações que em tese enfraqueceriam Omicron, mas sim a sequência genética de M e E de Delta, o que poderia torná-la ainda mais infectante que Omicron. Outra variante recombinante que precisa ser monitorada de perto é uma ramificação da XD, detectada em apenas onze casos nos EUA, pois esta tem uma parte da Spike da Delta (Domínio N Terminal) e outra parte da Spike da Omicron BA.1 (Domínio de Ligação ao Receptor). Esta Spike híbrida poderia ter comportamento distinto do que já conhecemos. Em resumo, variantes recombinantes do SARS-CoV-2 estão circulando, mas no momento não preocupam, pois já estão entre nós no mínimo há três meses, e nenhuma prevaleceu. A detecção de variantes recombinantes do Coronavirus demonstra mais uma vez a importância que a vigilância epidemiológica molecular teve, tem e deverá ter nos cuidados preventivos desta e de futuras pandemias.

Artigos Relacionados

Feito sob medida para Genetika