26 de junho de 2023

NEM EMBRIÃO, NEM SINTÉTICO

Os mamíferos começam a vida criando uma bola de células que depois proliferam e passam por uma série de decisões, formando tecidos que darão origem ao próprio embrião. O fato de esses eventos ocorrerem de forma auto-organizada significa que pode ser possível recriá-los in vitro a partir de células-tronco embrionárias. Nesse sentido, dois grupos que estão na fronteira desta pesquisa acabam de publicar resultados surpreendentes. Um deles é liderado pelo cientista palestino Jacob Hanna no Instituto Weizmann em Israel, e outro pela Dra. Magdalena Zernicka-Goetz, professora da Universidade de Cambridge e do California Institute of Technology em Pasadena, EUA. Pesquisadores conseguiram nos últimos anos notáveis avanços nos métodos de cultura de células, culminando com o desenvolvimento laboratorial de células-tronco que podem ser reprogramadas para um estagio expandido, que tem capacidade de desenvolvimento tanto de linhagem de células embrionárias quanto extra-embrionárias. Estas células-tronco pluripotentes estendidas (EPS) é que vão dar origem ao “embrião sintético”. Estas estruturas celulares tem genes funcionantes que são capazes de atuar de forma muito semelhante aos de embrião em estágio de desenvolvimento posterior a implantação no útero (o que geralmente ocorre oito dias após a concepção natural), e, portanto, serão um sistema experimental promissor para explorar o desenvolvimento embrionário fora do útero, permitindo a realização de pesquisas que atualmente não são possíveis usando embriões naturais. Entre outras aplicações, existe o potencial de melhorar o tratamento de infertilidade, visto que 30 por cento das gestações falham logo após a implantação. A longo prazo pode-se imaginar a criação de órgãos para transplantes, alem de poder compreender melhor as alterações genéticas já presentes no embrião, mas que vão se manifestar só ao nascimento ou até mais tardiamente. O termo “embriões sintéticos” traz uma idéia errada. Esses tecidos diferem dos embriões normais em termos de sua estrutura e morfologia. Não são embriões humanos, mas um modelo laboratorial tridimensional que simula um embrião humano. O modelo não usa esperma ou óvulo, e pula os primeiros sete dias de desenvolvimento que ocorrem antes da implantação. Também não são sintéticos, pois as células-tronco vieram originalmente de um embrião. O modelo é uma maneira de estudar o desenvolvimento inicial sem usar gametas humanos ou embriões verdadeiros. Mesmo assim, existem questionamentos éticos ao desenvolvimento desta metodologia e suas potenciais aplicações, em especial ao status moral destes tecidos que simulam um embrião. O limite de pesquisa em embriões de até no máximo 14 dias pós-fertilização foi um compromisso moral amplamente aceito por vários países após longa e intensa deliberação da comunidade científica mundial, mesmo significando que os pesquisadores precisariam usar modelos animais para estudar os estágios posteriores do desenvolvimento embrionário, que não refletem necessariamente os processos correspondentes em humanos. O avanço nas técnicas de cultivo celular permitiriam que este limite de 14 dias seja ultrapassado. Estariam estas massas de células separadas em compartimentos, mas sem organização embrionária, submetidas a mesma regulamentação dos 14 dias? Ninguém fez modelos de embriões com capacidade de se transformar em seres humanos, mas um estudo recente de pesquisadores chineses em modelos de embriões de macacos mostrou que tais modelos poderiam induzir a gravidez (que terminou espontaneamente logo depois) se colocados no útero. Se a “regra dos 14 dias” para cultivo de modelos de embriões humanos mudar, a mudança deve advir de uma análise rigorosa dos argumentos éticos e não como mera resposta a novas capacidades científicas.

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