29 de junho de 2023 LABORATÓRIO DE GENÉTICA BRASILEIRO PARTICIPA DE EQUIPE INTERNACIONAL QUE ACABA DE IDENTIFICAR UMA ALTERAÇÃO GENÉTICA CAUSADORA DE PARALISIA FACIAL HEREDITÁRIA Médico Geneticista é o profissional treinado para lidar com Doenças Raras. Quem tem alguém com uma Doença Rara na família sabe o significado do termo “Odisseia Diagnóstica”. Se refere ao número grande de consultas que estas famílias precisam fazer até chegar a um diagnóstico preciso. As vezes a Odisseia Diagnóstica pode durar uma vida toda. Quando finalmente se consegue fazer um diagnóstico definitivo, é de enorme utilidade para a pessoa com a doença rara e sua família. Podemos enfim explicar para a família porquê e como a doença aconteceu, compará-la com outras pessoas que apresentam a mesma alteração genética e com isso trazer informações sobre prognóstico, medidas para se antecipar a possíveis complicações, indicar terapias adequadas, fazer o aconselhamento genético dos familiares para futuras gestações, e sonhar com tratamento e até a cura. Nos últimos anos o avanço na eficácia e profundidade dos exames genéticos permitiu um grande avanço no diagnóstico de Doenças Raras, em especial aquelas cujo diagnóstico causal preciso é praticamente impossível fazer através da estratégia de entrevista médica, exame físico e exames complementares tradicionais. Surgiram novos e aprofundados exames de genética, como o SEQUENCIAMENTO DO EXOMA e SEQUENCIAMENTO DO GENOMA, frutos do Projeto Genoma Humano, que são hoje grandes aliados de quem tem uma doença rara, e inimigos da Odisseia Diagnóstica. A face é a nossa primeira identidade. Boa parte das nossas relações sociais são ditadas pelas peculiaridades da nossa face. O próprio conceito de beleza é diretamente relacionado as características da face. Além disto na face estão órgãos responsáveis por funções vitais muito importantes como a alimentação, respiração, fala, visão, audição, gosto, paladar, lacrimejamento e salivação. Essas funções são exercidas pela ação conjunta de mais de quarenta músculos na face, e seus movimentos permitem também a expressão de nossos sentimentos. Só o ato de sorrir exige a coordenação de mais de uma dúzia destes músculos. Por estas razões, nascer com uma malformação na face tem impacto na saúde física e mental para toda a vida. Uma destas malformações é a Paralisia Facial Congênita Hereditária, aonde por distúrbios nos nervos que são responsáveis pela movimentação dos músculos e sensibilidade de órgãos da face, há uma perda destas funções. A paralisia facial é uma condição que pode levar a alterações significativas na função e aparência facial. Pode causar uma série de problemas de saúde, incluindo exposição da córnea levando à cegueira, deficiências visuais, dificuldades para comer, sentir gosto, beber, ouvir, falar, lacrimejar, salivar. Além dos aspectos da saúde física, a saúde mental também pode ser muito afetada. Pessoas com paralisia facial frequentemente relatam dificuldades psicossociais, incluindo afastamento de atividades sociais, ansiedade, imagem corporal negativa e humor deprimido. Dos nervos responsáveis pela movimentação dos músculos e sensibilidade da face, um dos mais importantes é o sétimo, chamado de “nervo facial”, que é responsável pelo estimulo nervoso que chega aos músculos da expressão facial. Algumas formas congênitas de paralisia facial são hereditárias, ou seja, a causa é uma alteração genética que pode passar de geração em geração. Nestes casos, uma alteração genética herdada de um ou ambos os pais, faz com que uma proteína não seja produzida adequadamente, proteína esta que tem função no desenvolvimento embrionário do nervo facial. A DESCOBERTA PUBLICADA NA NATURE GENETICS Já se sabe que existem ao menos três genes que quando um deles está mutado, leva a formas hereditárias de paralisia facial congênita. São formas não-sindrômicas, ou seja, os afetados têm somente as consequências da paralisia facial, não fazendo parte de síndromes. Um destes genes, chamado HOXB1, situado no cromossomo 17, já foi identificado em 5 famílias no mundo, e mutações causam uma rara forma recessiva de paralisia facial hereditária. A primeira região genética associada com formas hereditárias de paralisia facial foi localizada no cromossomo 3 em 1996, por pesquisadores holandeses que investigavam 20 pessoas com paralisia facial congênita em uma mesma família. Naquela época 25 genes tinham sido identificados como candidatos naquela região do cromossomo 3, mas não se sabia qual deles estaria mutado causando a Paralisia Facial. Em 2006 estes mesmos pesquisadores holandeses, estudando uma grande família paquistanesa com vários afetados por Paralisia Facial Congênita Hereditária, conseguiram refinar a região responsável, reduzindo o número de genes candidatos para sete, porém mesmo assim não encontraram mutação em nenhum destes genes que pudesse explicar a herança. O mistério persistia, e nos 17 anos seguintes pesquisadores do mundo todo não mediram esforços para descobrir qual destes genes estaria alterado, porém sem sucesso. Até que agora, 27 anos depois da localização da região cromossômica responsável pela condição, uma colaboração científica internacional, liderada por respeitados institutos de pesquisa mundiais, entre eles o grupo holandês que foi pioneiro na localização genética em 1996, pesquisadores americanos de Harvard e do Massachusetts Institute of Technology – MIT em Boston, Icahn School of Medicine do Hospital Mount Sinai em Nova York, Yale University School of Medicine em New Haven e National Human Genome Research Institute em Bethesda, o Laboratório brasileiro Genetika, de Curitiba desvendaram o enigma de quase três décadas. Estudando pessoas com e sem paralisia facial, de quatorze famílias (uma delas brasileira) e utilizando as mais modernas técnicas de mapeamento e sequenciamento genético e o conhecimento mais atual e mais aprofundado do Genoma Humano, incluindo estudo de camundongos transgênicos, os pesquisadores descobriram que a alteração genética estava mesmo naquela região do cromossomo 3, porém não estava em nenhum dos genes investigados, mas sim localizada fora dos genes, em regiões que regulam suas funções, daí a dificuldade de encontrar a alteração apesar de décadas de investigação focada no sequenciamento dos genes. Mais especificamente, os pesquisadores identificaram que variantes genéticas situadas a uma distância de 20 mil bases nitrogenadas do gene GATA2, regulam a função deste gene. GATA2 é um fator de transcrição, ou seja, um gene que produz uma proteína que regula a expressão de vários outros genes. Ele regula muitos genes que são críticos para o desenvolvimento embrionário no núcleo facial do tronco encefálico (entre o cérebro e a medula espinhal). No núcleo facial do tronco encefálico, entre estes tecidos regulados por GATA2, destacam-se a produção dos neurônios eferentes de ouvido interno e os neurônios motores branquiais faciais, sendo que estes últimos dão origem ao nervo facial. O QUE FOI ENCONTRADO NA GENÉTICA DA FAMILIA BRASILEIRA? No caso da família brasileira que tem pessoas afetadas pela condição em pelo menos quatro gerações, foi detectada uma duplicação de 26 mil bases nitrogenadas (26kb) nesta região reguladora do gene GATA2. Esta alteração genética hereditária implica na duplicação de duas sequencias genéticas que aumentam a produção de GATA2 (enhancers) e na duplicação de uma sequencia genética que silencia esta produção (silencer). A somatória destas alterações favorece o aumento e produção prolongada de GATA2, e este desequilíbrio favorece a formação de neurônios que competem com os neurônios motores branquiais faciais, como, por exemplo, os neurônios eferentes do ouvido interno. Esta competição tem como consequência o esgotamento da produção dos neurônios motores branquiais faciais, as custas da produção dos neurônios eferentes do ouvido interno. A expressão alterada de GATA2 no núcleo facial do tronco encefálico rompe o equilíbrio de produção dos neurônios motores branquiais, reduzindo numericamente a sua produção e levando a paralisia facial. Em pessoas com Paralisia Facial Congênita hereditária o número de neurônios motores branquiais faciais formados varia entre 280 e 1.680, comparado com 5.030 a 8.700 em pessoas que não tem a paralisia facial. Agora sabemos porque as pessoas com paralisia facial congênita hereditária tem menos neurônios motores branquiais faciais. Segundo o Dr. Salmo Raskin, Médico especialista em Pediatra e Genética e Diretor do Laboratório Genetika, que atende há anos esta família brasileira com Paralisia Facial Hereditária Congênita, coautor do estudo da Nature Genetics, cientista que participa do Projeto Genoma Humano desde 1990, com a revelação da sequência do Genoma Humano os geneticistas se concentraram principalmente na investigação de 1% do genoma humano aonde se localizam os genes produtores de proteínas, visto que a maioria das variantes causadoras de doenças estão localizadas dentro de sequências de codificação de genes. E só nós últimos anos é que o foco se desviou para o estudo dos outros 99% do nosso genoma nos quais se situam regiões que regulam a atividade dos genes. Esforços recentes promovidos por consórcios científicos internacionais tem tido enorme sucesso para desvendar a função do genoma não-codificante, em especial a Enciclopédia de Elementos de DNA (ENCODE). Sem estes avanços, as variantes genéticas agora identificadas pelos pesquisadores jamais poderiam ter sido caracterizadas. O achado traz luz à complexa regulação do desenvolvimento dos neurônios que dão origem ao nervo facial e demonstra como variantes genéticas que alteram os elementos reguladores de genes podem causar uma desordem hereditária. A alteração da produção do fator de transcrição em células especializadas no desenvolvimento facial, causa uma desregulação na programação do desenvolvimento facial embrionário, o que em ultima instancia, se manifesta ao nascimento como paralisia de músculos faciais. Do ponto de vista científico, além de demonstrar que condições hereditárias podem ser causadas por alterações fora dos genes, abre o caminho para que um dia sejam desenvolvidos tratamentos não só para a forma hereditária, mas também para outros tipos de paralisia facial. A partir de agora, a região que regula o funcionamento do gene identificado, o próprio gene e seu produto são potenciais alvos para o tratamento dessa condição. Do ponto de vista prático, a descoberta já permite que testes genéticos direcionados para estas regiões regulatórias do gene identificado esclareçam para estas famílias porque a condição ocorre e é transmitida de geração em geração, possibilita a diferenciação com outros casos de paralisia facial congênita, auxilia a identificar de forma precisa o risco de pessoas afetadas virem a ter filhos com a mesma condição, e não menos impoprtante, permite através do diagnóstico genético pré-implantação, que a partir de agora estas pessoas afetadas tenham filhos biológicos sem paralisia facial. No casos de famílias com alterações genéticas como as que acabam de ser identificadas, o risco de uma pessoa com paralisia facial ter outro filho com a mesma condição, independente da saúde do parceiro, é alta: 50% de risco em cada gestação. A partir de agora, caso seja a opção de qualquer pessoa afetada destas famlias, e tendo acesso as técnicas de reprodução assistida, o risco passa a ser próximo de zero, visto que agora que a alteração genética foi identificada, o acometimento de futuros filhos com esta forma de paralisia facial poderá ser evitado com o planejamento de futuras gestações. Não é a primeira vez que Raskin participa da identificação de genes que codificam para fatores de transcrição. Em 1996, no mesmo ano em que os pesquisadores holandeses identificaram pela primeira vez que a alteração genética responsável por esta forma de paralisia facial se localizava no cromossomo 3, Raskin descobriu a localização de um gene chamado PIT-1, que coincidentemente tambem é responsável por um fator de transcrição, que regula a produção simultanea do hormônio de crescimento, hormônio estimulador da Tiroide e Prolactina, coincidentemente tambem localizado no cromossomo 3. Tambem não é a primeira vez que seu laboratório, Genetika, participa da identificação de novos genes. Em 2017 o Genetika, analisando o DNA de dois irmãos brasileiros, identificou que o gene SLC13A5, quando mutado causa a rara Síndrome de Kohlschütter-Tönz, caracterizada por grave epilepsia de início precoce e difícil tratamento e defeitos no esmalte dos dentes, tendo o trabalho sido publicado no Journal of Medical Genetics. Em 2021 o Genetika participou na identificação do gene VPS41 no cromossomo 7, causador de uma condição neurodegenerativa em dois irmãos brasileiros, publicado com destaque na renomada revista científica “Brain”. Além destas descobertas, Raskin e o Genetika foram os primeiros a identificar em pacientes brasileiros mutações nos genes reconhecidamente causadores de várias doenças genéticas, entre elas a Fibrose Cística, Doença de Huntington, Parkinson Hereditário, Ataxia Espinocerebelar Tipo 10, Síndrome de Dravet e Síndrome de Rett. O Laboratório Genetika, que em 2023 completa 30 anos de atividade ininterruptas na area laboratorial de genética médica, já dá um “spoiler” da próxima descoberta de repercussão mundial; “Será a identificação de um novo gene responsável por uma forma hereditária de catarata congênita”, afirma Raskin. “Comemoraremos nossos 30 anos com as marcas do DNA do nosso Laboratório, ética, pioneirismo, criatividade e colaboração internacional, na defesa das pessoas com doenças raras”. Clique aqui e veja o artigo na íntegra! Search for: Search Categorias Aconselhamento Genético Ancestralidade COVID-19 Doenças Raras Exames Genéticos Genética das Doenças Infecciosas Outros assuntos Sem categoria