10 de setembro de 2023

Quando o Autista Foge

O terrível episódio ocorrido semana passada, de uma criança autista que fugiu dos cuidadores e se afogou, trouxe à tona o tema do “autista que foge”, em inglês chamado de “elopement”, “eloping” ou “wandering”. Tecnicamente é definido como a tendência de uma pessoa fugir de um espaço aonde está supervisionada e segura, se expondo a ambientes perigosos. Na prática se configura ao sair da sala de aula sem permissão, fugir das terapias, sair de casa quando a família não sabe, escapar do alcance dos pais e cuidadores. Não acontece somente com autistas, mas dos quatro aos dez anos de idade é o grupo no qual ocorre com maior frequência, em metade deles.

O autista as vezes não consegue reprimir a vontade de interagir com aquilo que o intrigou. Em especial para aqueles que não conseguem se comunicar pela fala, é uma situação extremamente arriscada levando a morte em 7% dos casos, principalmente por afogamento (71%) e por acidente de transito (18%), necessitando de atenção médica em 13% e com risco de lesões corporais em 38%. Estes impulsos que ocasionam a fuga não deixam de ser uma forma de comunicação, pelo qual a pessoa demonstra que procura algo mais interessante (como a água), ou se afastar de algo incômodo (como o barulho). Podem ser potencializadas com aumento de ansiedade e estresse (como diante de demandas escolares). Mas podem ocorrer pelo simples prazer de correr ou explorar. Importante estar alerta aos primeiros sinais do comportamento de fuga, que incluem o hábito de mudar para uma área diferente do prédio ou da casa sem ser notado, fugir quando chateado e procurar repetidamente a água. Várias atitudes devem ser tomadas para minimizar os graves riscos das fugas. Buscar ajuda de profissionais para tentar entender os motivos por trás deste comportamento, é uma das principais atitudes de prevenção.

Estabelecer medidas de segurança dentro da própria casa, como alarmes, fechaduras e cercas. Como as brincadeiras aquáticas estão entre as atividades favoritas dos autistas, e o afogamento é a principal causa de morte entre autistas que fogem, é extremamente importante facilitar e incentivar o acesso a aulas de natação o mais cedo possível, sendo que o Estado deve propiciar este acesso e treinamento de forma segura nas piscinas públicas. Outro cuidado é fazer uso de equipamentos geo-localizadores ou pulseiras contendo informações sobre sua condição e como localizar os pais. Informar os vizinhos a respeito do filho autista pode ser útil. É importante ter um planejamento pronto em caso de fuga, incluindo a preparação prévia de postagens em midias sociais e panfletos, pois nesta hora não se pode perder tempo elaborando materiais. As preocupações com fuga estão entre os maiores temores dos pais, e a necessidade de supervisão constante de algo inevitável é motivo de enorme estresse. Pais devem sempre estar alertas, mas não devem se culpar e ser culpados por estes episódios de fuga, visto que estudos demonstram que são quatro vezes mais frequentes em crianças autistas do que em seus irmãos não-autistas, e, portanto, muito raramente se trata de desleixo dos pais. Aliás, todos podem e devem fazer algo para minimizar este risco. O cidadão deve tomar conhecimento da existência deste comportamento, e nunca se omitir ao ver uma criança sozinha sem cuidadores. A escola, os profissionais de saúde e em especial os pediatras devem estar atentos e discutir mais o tema para poder orientar melhor os pais. Os pais devem tomar o maior número de medidas protetivas. O Estado tem que ter coragem de assumir que o Autismo é uma questão de saúde pública de grande impacto, e coordenar ações de educação e atendimento mais amplas e eficazes. Uma tragédia como a que ocorreu não deveria impactar só a comunidade autista, mas a toda a sociedade.

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