5 de setembro de 2022

Uma esperança para melhorar a qualidade de vida das pessoas com Síndrome de Down!

A Síndrome de Down é a principal condição genética que leva a inabilidade intelectual, estando presente em uma em cada 800 pessoas. Uma pesquisa de grande importância para estas pessoas foi publicada nesta quinta-feira, 1/9/2022, na renomada revista científica SCIENCE, por um grupo de pesquisadores europeus coordenados por Vincent Prevot, neurocientista da universidade de Lilly, na França.

A pesquisa se baseou na observação de que pessoas com Síndrome de Down apresentam, entre suas inúmeras características, perda de olfato e fertilidade reduzida, sinais que se assemelham aqueles causados por falta da produção do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH). O GnRH é produzido no cérebro, por neurônios que se localizam principalmente (mas não exclusivamente) no hipotálamo. É, portanto, considerado um neurohormônio, que secretado em pulsos, é direcionado a glândula hipófise, lá produzindo os hormônios luteinizante (LH) e folículo estimulante (FSH). Em meninos FSH estimula o amadurecimento das células que se transformarão em espermatozoides e LH estimula o amadurecimento das células que produzirão testosterona. Em meninas FSH e LH são necessários para amadurecimento dos folículos ovarianos, que se transformarão em óvulos, e tem papel na secreção de vários hormônios pelos ovários, incluindo estradiol, progesterona e inibinas A e B. A atividade do GnRH é muito baixa durante a infância e é reativada no início da puberdade. Ou seja, historicamente é sabido que GnRH é relacionado principalmente com aspectos do desenvolvimento dos caracteres sexuais e reprodução humana.

No experimento relatado na SCIENCE os pesquisadores modificaram geneticamente camundongos para que tivessem dose tripla do cromossomo 16 (o equivalente nos camundongos ao cromossomo 21 em humanos, triplicado na Síndrome de Down). Fizeram diversos experimentos com estes camundongos que comprovaram que o animal geneticamente modificado reproduzia sinais, sintomas e comportamento muito semelhante aos das pessoas com Síndrome de Down. Observaram que com o passar do tempo estes camundongos perderam progressivamente a produção e a função do GnRH, decorrente de um desequilíbrio em uma rede complexa de microRNAs, que são RNAs não codificantes curtos (~22 nucleotídeos) que podem silenciar a expressão de genes interferindo na expressão de proteínas. Estes microRNAs, assim como outros fatores regulatórios, constituem verdadeiros  “interruptores” que controlam a expressão de GnRH e o amadurecimento dos neurônios que produzem GnRH no hipotálamo, iniciando já durante o período infantil uma “minipuberdade”, bem antes de apresentarem perda cognitiva. O desbalanço destas vias regulatórias resultou em alteração na produção de proteínas por parte de um número de genes-alvo deste microRNAs, incluindo vários envolvidos em mielinização e transmissão sináptica, não apenas no hipotálamo mas tambem em outras areas do cerebro.

Entre os inúmeros experimentos realizados, um dos mais importantes consistiu em implantar uma minibomba injetora de pulsos de GnRH nos camundongos com sinais da Síndrome de Down. Conseguiram demonstrar que o desequilíbrio na maquinaria biológica de produção do GnRH tem grande impacto na dificuldade cognitiva que os camundongos com três cromossomos 16 apresentavam, mas que esta dificuldade poderia ser revertida com a injeção em pulsos de GnRH. O que praticamente comprova algo que já vinha sendo pesquisado, que os neurônios que produzem GnRH também se projetam para áreas do cérebro fora do hipotálamo, incluindo o córtex cerebral e o hipocampo, áreas reconhecidamente ligadas a aprendizado e memória. E que o neurohormõnio tem não apenas um papel na reprodução, mas também na cognição. Não só o déficit cognitivo, mas também o olfatório foi revertido. Na sequência do experimento, infundiram GnRH em camundongos geneticamente modificados para desenvolver a Doença de Alzheimer, e conseguiram também reverter os sinais. Cabe aqui relembrar que as pessoas com Síndrome de Down têm elevada prevalência de sinais semelhantes a Doença de Alzheimer em fases tão precoces quanto a terceira ou quarta década de vida.

Com base nesses achados, os autores conduziram um pequeno ensaio clínico piloto para avaliar os efeitos da terapia com GnRH na cognição em sete pessoas adultas do sexo masculino com Síndrome de Down.  Os participantes e seus responsáveis ​​legais consentiram com o estudo, que envolveu receber GnRH por meio de uma pequena agulha e uma bomba colada em seus braços. A bomba forneceu um pulso da droga a cada 2 horas, por seis meses, imitando o padrão de como o hormônio é liberado naturalmente no corpo. Embora o tratamento não tenha afetado o olfato, o desempenho cognitivo aumentou em cerca de 20% a 30% em todos, exceto em um dos participantes. E em todos houve uma melhora importante de aspectos como a qualidade da fala, a atenção, memória e capacidade de reconhecimento de estruturas tridimensionais.

O trabalho é de grande importancia por inúmeros aspectos, e os resultados abrem caminho para ensaios clínicos que podem até ter aplicação mais ampla em outras condições que envolvem declínio cognitivo, incluindo a doença de Alzheimer. Além disto, se GnRH realmente vier a se tornar um tratamento para pessoas com Síndrpme de Down, o medicamento já é conhecido, seguro e utilizado há muitos anos para tratar condições aonde há deficiência ou excesso dos hormônios LH e FSH. Mesmo assim, neste momento cautela é fundamental. O número de pessoas com Síndrome de Down que participaram do estudo foi muito pequeno, e controles adequados não foram utilizados. Só homens participaram, e o motivo é que em mulheres os padrões de liberação de GnRH são mais complexos, visto que a frequência do pulso muda como parte do ciclo menstrual. Ninguem deve se aventurar a administrar GnRH para pessoas com Síndrome de Down neste momento. Altos níveis de GnRH também podem aumentar o risco de câncer, o que pode ser especialmente perigoso em pessoas com Síndrome de Down, que já correm maior risco de leucemia. Os pesquisadores se preparam para ampliar o estudo para 32 pessoas com Síndrome de Down e 32 sem, incluindo mulheres. Com término previsto para 2024, a pesquisa traz grande esperança para melhoria da qualidade de vida das pessoas com Síndrome de Down.

 

FONTE:

https://www.science.org/doi/abs/10.1126/science.abq4515?af=R&utm_source=sfmc&utm_medium=email&utm_campaign=SCIeToc&utm_content=alert&et_rid=35347147&et_cid=4383694

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