28 de novembro de 2022

Thor e o risco de Alzheimer

O ator Chris Hemsworth, famoso por interpretar o personagem Thor nos filmes do Universo Cinematográfico Marvel, revelou esta semana que fez um exame genético que mostrou predisposição ao desenvolvimento da Doença de Alzheimer (DA), e diante do resultado resolveu pausar a brilhante carreira para se dedicar mais a família. O exame não é uma novidade, consiste na análise do gene APOE, que permite estimar o risco para DA, fato que já é conhecido há mais de 30 anos. Apesar de que não conhecemos até hoje as causas da DA, sabemos que são complexas e multifatoriais. Há um importante componente genético (cerca de 70%), pelo efeito somatório da atuação de inúmeras variantes genéticas, muitas ainda desconhecidas. Cada uma delas tem um impacto pequeno na causa da DA, e a mais importante é a variabilidade do gene APOE, que existe em três formas (2, 3 e 4). Como sempre temos duas cópias de cada gene, todos têm a combinação de APOE E2E2 ou E2E3 ou E3E3 ou E3E4 ou E4E4. Só 2,4% da população tem a combinação E4E4, presente no DNA de Chris. Sem fazer teste genético sabe-se que uma pessoa qualquer tem 10% de risco de ter DA até os 85 anos de idade. Quem tem APOE E4E4 tem um risco de 63% e quem tem E2E2 ou E2E3 tem um risco de 4%. Este teste genético pode até ser útil para auxiliar no diagnóstico em pessoas que já apresentam sintomas sugestivos de DA. Mas a utilidade para predizer se uma pessoa sem sinais de DA (como Chris) vai ou não ter DA, é limitada e questionável, porque qualquer resultado não garante nem exclui que a pessoa vai ou não ter DA. Some a esta imprecisão o fato de que não há tratamento com efetividade garantida para alguem que realmente tenha uma predisposição para ter DA, apesar de hoje sabermos que mudanças no estilo de vida podem diminuir o risco, entre elas: combater a inatividade física, obesidade, tabagismo, álcool, poluição, depressão, baixo contato social, alimentação inadequada. Por outro lado, alguns argumentam que um teste genético demonstrando alto risco poderia quebrar a inércia e aumentar os cuidados com a saúde. Além disso, mesmo que a pessoa compreenda que o resultado do teste não é determinante, poderia ser usado para um adulto planejar quando e quantos filhos terá, investir em um seguro de saúde e de vida, ter um planejamento sucessório, etc. Ou seja, querer ou não fazer o teste é algo muito pessoal, e por todas as peculiaridades e implicações deste tipo de teste genético preditivo, tal investigação só deveria ser indicada para adultos e no contexto de Aconselhamento Genético, com pelo menos uma sessão antes da realização do exame (não só para compreender seu potencial, mas tambem as implicações e limitações do teste, decidindo se realmente quer ser testado), e outra sessão no momento da entrega do resultado (para que um especialista possa interpretá-lo e explicá-lo corretamente). Estes cuidados aparentemente não foram tomados na realização do teste em Chris, feito em um ambiente público de filmagem da nova série “Sem Limites”, aonde nosso herói embarca em uma missão para descobrir como viver melhor e por mais tempo. A ideia inicial era que o resultado fosse apresentado “ao vivo”, contrariando princípios básicos de confidencialidade e privacidade dos testes genéticos. O resultado do exame foi dado de forma inadequada, tanto que o ator revela que não foi por ele inicialmente compreendido. O avanço exponencial do conhecimento sobre a genética humana teve como consequência testes genéticos cada vez mais precisos e úteis para a melhoria da qualidade de vida e sobrevida, mas não são infalíveis como o martelo de Thor. Convém que sejam realizados com cuidados que protejam o cidadão e por profissionais experientes. Sempre lembrando o princípio básico da Medicina; antes de mais nada, não prejudicar!

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