12 de setembro de 2022

COVID longa, o próximo desafio pós-pandemia

A medida que pandemia por COVID-19 dá sinais claros de que está terminando e entrando em uma fase endêmica, o foco agora é entender as sequelas que o coronavírus deixou, seja do ponto de vista psicológico, emocional, econômico, seja pelo aspecto epidemiológico e médico. Neste cenário passa a ser de fundamental importância compreender o que vem sendo chamado de COVID LONGA, ou de maneira mais técnica, “Sequelas pós-agudas da infecção pelo SARS-CoV-2”. Complicações a médio e longo prazo após infecções agudas virais não são uma novidade para a Medicina, mas já estamos no terceiro ano da pandemia e a COVID-19 ainda está causando sintomas muitas vezes incapacitantes entre muitas pessoas que foram infectadas no início de 2020. Sintomas que interferem em suas atividades de vida diária, frequentemente prejudicando sua capacidade de retornar ao trabalho. E não sabemos se ou quando os riscos de diferentes resultados pós-COVID-19 retornarão à linha de base.

 

As condições pós-COVID incluem uma ampla gama de problemas de saúde novos, recorrentes ou contínuos que as pessoas experimentam após serem infectadas pelo vírus que causa a COVID-19. A maioria das pessoas com COVID-19 melhora dentro de alguns dias a algumas semanas após a infecção, portanto, pelo menos quatro semanas após a infecção é o início de quando as condições pós-COVID podem ser identificadas pela primeira vez. Qualquer pessoa que foi infectada pode experimentar condições pós-COVID. A maioria das pessoas com condições pós-COVID apresentou sintomas dias após a infecção por SARS-CoV-2 quando sabiam que tinham COVID-19, mas algumas pessoas com condições pós-COVID não perceberam quando tiveram uma infecção pela primeira vez. Os grupos que estão em maior risco de desenvolver COVID LONGA são;  – Pessoas que tiveram COVID-19 mais grave, especialmente aquelas que foram hospitalizadas ou precisaram de cuidados intensivos;

– Pessoas que tinham condições de saúde subjacentes antes da COVID-19;

– Pessoas que apresentaram síndrome inflamatória multissistêmica durante ou após a COVID-19;

– Pessoas que não receberam a vacina COVID-19.

 

Ao contrário daqueles com maior probabilidade de contrair COVID grave, a grande maioria das pessoas afetadas por COVID LONGA é mais jovem (30 a 50 anos) e anteriormente saudável. Os sintomas típicos incluem;

– Ageusia (não sentir gosto) ou anosmia (não sentir cheiro) (7,6%)

– dor muscular (7,3%)

– cansaço geral (4,9%)

– formigamento nas extremidades

– nó na garganta

– sensação de calor e frio alternadamente

– braços ou pernas pesadas

– intolerância ao exercício

– dificuldade em respirar

– “branco” cerebral

– dor no peito

– dores de cabeça

– ritmo cardíaco acelerado.

 

O tempo de duração da COVID LONGA ainda é desconhecido, pois para uma avaliação de uma condição crônica, há necessidade de investigação por anos, e os primeiros Casos de COVID ocorreram “apenas” há dois anos e nove meses atrás. Qual a verdadeira prevalência da COVID LONGA? Homens e mulheres são igualmente afetados? Será que os sinais e sintomas que pessoas apresentam após 4 semanas de infecção são realmente devido a COVID-19? Porque a COVID LONGA acontece?

 

Existem mais de 1.700 artigos científicos publicados em revistas científicas sobre o tema COVID LONGA. Porem nos últimos 30 dias quatros estudos trouxeram as informações mais precisas sobre A COVID LONGA até o momento;

1. Lancet, 6/agosto/2022

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(22)01214-4/fulltext

“Persistence of somatic symptoms after COVID-19 in the Netherlands: an observational cohort study”

Considerado um estudo muito importante por ter capturado sintomas em milhares de pessoas antes de serem infectadas e as seguiu por meses. Estudo acompanhou 76.422 participantes, antes da infecção pelo SARS-CoV-2. Destas, 4.231 pessoas desenvolveram COVID-19. Um em cada 8 (12,5%) tinham sintomas 90-150 dias depois da COVID. Os participantes do sexo feminino positivos para COVID-19 mostraram uma persistência mais longa do aumento da gravidade dos sintomas após o COVID-19 do que os do sexo masculino com COVID-19.

 

2. 10/agosto/2022https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35982667

“Distinguishing features of Long COVID identified through immune profiling”

Estudo conduzido por pesquisadores da universidade de Yale em colaboração com o Hospital Mount Sinai, EUA. Ainda não publicado em revista revisada por pares. Trata-se da mais profunda análise bioquímica e imunológica realizada em 215 pessoas com COVID LONGA. Seus resultados não deixam mais dúvida que se trata de uma condição de causa biológica. Quatro achados foram os principais, e estabelecem forte ligação com a causa da COVID LONGA;

– A persistência de antígenos no organismo após a fase aguda, seja pelo próprio vírus ou por remanescentes virais, por até um ano após a infecção. SARS-CoV-2 pode persistir no trato gastrointestinal, podendo criar ciclos de ativação do sistema imunológico, como um ‘superantígeno’, estimulando persistentemente células de defesa, como as células T CD4 e T CD8, levando-as a exaustão;

– COVID LONGA está associada com a reativação de herpesviroses latentes em nosso organismo, em especial o vírus Epstein Barr e o da Varicela zoster;

– Diminuição dramática e persistente dos níveis do hormônio cortisol, mesmo após um ano depois de ter COVID, possivelmente causada por alteração no sistema nervoso central, em especial no hipotálamo e na hipófise;

– Um estado de inflamação persistente, principalmente no sistema nervoso central.

 

3. Lancet Psychiatry, 17/agosto/2022

https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(22)00260-7/fulltext

“Neurological and psychiatric risk trajectories after SARS-CoV-2 infection: an analysis of 2-year retrospective cohort studies including 1.284.437 patients“

Um estudo retrospectivo que acompanhou por dois anos os aspectos neurológicos e psiquiátricos de 1.284.437 pacientes que tiveram COVID-19. Comprovou um risco aumentado de desenvolver perda de memória, demência, convulsões e psicose ao longo de dois anos. As principais conclusões foram;

– o risco de déficit cognitivo, demência, transtorno psicótico e epilepsia ou convulsões permaneceu aumentado em 2 anos após o diagnóstico de COVID-19, enquanto os riscos de outros diagnósticos (transtornos de humor e ansiedade) diminuíram precocemente e não mostraram excesso geral nos 2 anos – ano de acompanhamento.

– Perfis e trajetórias de risco variam em crianças em comparação com adultos e idosos. Ao contrário dos adultos, as crianças não apresentaram risco aumentado de transtornos de humor e ansiedade após a infecção por SARS-CoV-2 (mesmo nos primeiros 6 meses) e déficit cognitivo em crianças tiveram uma trajetória de risco transitória em vez de riscos contínuos, como visto em grupos mais velhos. Em comparação com adultos e idosos, as crianças apresentavam um risco particularmente aumentado de epilepsia ou convulsões, encefalite, déficit cognitivo, insônia, hemorragia intracraniana, acidente vascular cerebral isquêmico, nervos, raízes nervosas, distúrbios psicóticos e epilepsia ou convulsões. Outros estudos mostram aumento de casos de diabetes, anosmia e eventos cardiovasculares

– Os riscos comparáveis ​​observados após o surgimento do omicron indicam que a carga neurológica e psiquiátrica do COVID-19 pode continuar mesmo com variantes que levam a doenças menos graves.

 

4. Nature, 26/agosto/2022

https://www.nature.com/articles/s41541-022-00526-5

“Association between BNT162b2 vaccination and reported incidence of post-COVID-19 symptoms: cross-sectional study 2020-21, Israel”

79.482 pessoas que tiveram COVID-19 entre março de 2020 e novembro de 2021, e se recuperaram, foram convidadas a responder um questionário sobre a manifestação ou não dos principais sinais de COVID LONGA. Destes, 3.572 (4,5%) concordaram em participar. Apenas os que concordaram em informar o staus vacinal foram incluídos, e por este motivo excluíram 174 indivíduos infectados do estudo. As respostas de indivíduos vacinados e não vacinados foram comparadas. Aqueles que receberam 2 doses de vacina de RNAm relataram com menos frequência os sintomas típicos de COVID LONGA, quando comparados a aqueles que não se vacinaram. Dos 951 infectados, 637(67%) foram vacinados. Como grupo controle foram entrevistados também 2.447 indivíduos que nunca relataram infecção por SARS-CoV-2. Como citado acima, ter tido COVID-19 grave pode trazer mais riscos de COVID LONGA. Como a vacinação protege de COVID grave, reduz também parte dos casos de COVID LONGA. Mas este não é o único fator que causou a redução da frequência de sinais de COVID LONGA relatados, visto que o efeito protetor da vacinação contra sintomas de longo prazo persistiu após o ajuste para doença assintomática, sugerindo uma redução nos sintomas relatados de infecção pós-SARS-CoV-2 mesmo entre os sintomáticos no momento da infecção. Estudo demonstra que a vacinação com mais de 2 doses da vacina Pfizer foi associada a um risco menor de relatar a maioria dos sintomas mais comuns relacionados a COVID LONGA. Indivíduos que receberam duas doses da vacina não relataram mais desses sintomas do que indivíduos que relataram nunca ter dido infecção pelo SARS-CoV-2.

 

Até o presente momento não existem tratamentos validados para COVID LONGA. Os estudos já feitos com potenciais drogas são muito pequenos e desproporcionais para as dezenas de milhões de pessoas que já sofrem de COVID LONGA. Por outo lado, a somatória destes achados recentes abrem o caminho para a investigação de possíveis tratamentos para COVID LONGA, entre eles;

– Atacar os reservatórios virais com antivirais e anticorpos monoclonais;

– Restaurar os níveis de cortisol;

– Atacar o virus Epstein Barr;

– Investigar o efeito de terapias imunomoduladoras contra citocinas inflamatórias.

 

No momento, nossa melhor chance de prevenir a COVID LONGA é não se infectar como SARS-CoV-2, ou evitar reinfecção. É por isso que é vital permanecer cauteloso nos cuidados com o COVID agora e não capitular à noção de que devemos “viver com a COVID”.

 

 

 

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