CÂNCER HEREDITÁRIO: Testes podem constatar risco aumentado, indicando cuidados
17 de agosto de 2023

CÂNCER HEREDITÁRIO: Testes podem constatar risco aumentado, indicando cuidados

O economista cearense Régis Feitosa Mota faleceu aos 53 anos após enfrentar seu terceiro diagnóstico de câncer. O caso de Mota chocou o país porque ele já havia perdido os três filhos para a doença. Em pouco mais de uma década, foram 11 diagnósticos de câncer entre Régis e os filhos. A caçula, Beatriz, faleceu em 2018, em virtude de uma leucemia linfoide aguda. Dois anos depois, Pedro morreu em decorrência de um câncer no cérebro. No fim do ano passado, Anna Carolina, sua filha mais velha, também faleceu devido a um câncer no cérebro. Todos eram portadores da síndrome de Li-Fraumeni. Essa condição hereditária rara é caracterizada por uma mutação no gene TP53 que produz a proteína p53, cuja função é prevenir o câncer.
O médico geneticista Salmo Raskin, colunista do GLOBO e diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba, explica que esse gene é chamado “guardião da célula” porque é o principal responsável pelo ciclo de vida das células e pela supressão de tumores. Em pessoas com a síndrome, o gene TP53 perde essa função e há aumento de até
90% no risco de câncer ao longo da vida. Entretanto, casos como da família Mota não são comuns. Embora todos os cânceres sejam causados por alterações nos genes, apenas 10% dos casos são hereditários, ou seja, causados por mutações herdadas de pai ou mãe. A imensa maioria —os outros 90% —são esporádicos e estão associados a fatores ambientais, erros durante a divisão celular e causas desconhecidas. Os cânceres hereditários geralmente não são significativamente diferentes dos não hereditários. Entretanto, existem alguns sinais que podem indicar risco. — Suspeitamos de uma síndrome hereditária quando lidamos com casos de pessoas com um histórico familiar muito importante, com câncer em idade precoce, histórico de outros tumores ou ainda dependendo do tipo de tumor — explica o oncologista Fernando Maluf, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Hospital Albert Einstein e fundador do Instituto Vencer o Câncer. Diante de casos como esses, é recomendada a realização de aconselhamento e testes genéticos. Foi o que aconteceu com Rogério Mota. Após três membros da família serem diagnosticados com diferentes tipos de câncer, o economista achou estranho e decidiu investigar. Ele e os filhos realizaram testes genéticos e descobriram que eram portadores da síndrome que potencializa o surgimento de câncer.

PESQUISA GENÉTICA

Os testes genéticos analisam o DNA a partir de amostras de sangue ou saliva em busca de mutações que aumentam o risco para determinados tipos de câncer. A médica Mônica Stiepcich, assessora médica da Anatomia Patológica e Patologia Molecular do Grupo Fleury, explica que existem diferentes tipos de testes, que variam de acordo com a quantidade de genes analisados. Alguns, chamados painéis, procuram alterações em um grupo de genes, e outros analisam genes específicos, como para a mutação nos genes BRCA 1 e BRCA 2. Em geral, o segundo tipo é indicado quando há uma mutação genética conhecida na família. O valor dos testes também varia de acordo com o número de genes analisados. — Como esse é um teste preditivo, um resultado positivo não significa que a pessoa irá, necessariamente, desenvolver algum tipo de câncer. Na maioria dos casos, o exame apenas indica um risco aumentado — diz Stiepcich. Por outro lado, um negativo também não equivale a um “passe livre” da doença, dado que a maioria dos casos de câncer não é hereditário. Mesmo assim, um resultado positivo vem acompanhado de uma alta carga emocional, estresse, ansiedade, raiva e até culpa. Por isso é importante que esse tipo de exame seja feito mediante aconselhamento de um médico, em especial geneticista ou oncogeneticista. Segundo Maluf, as síndromes genéticas mais comuns são as do BRCA 1 e 2, que aumentam o risco de câncer de mama, ovário, próstata e pâncreas, e a síndrome de Li-Fraumeni, que pode aumentar o risco de câncer de mama, sarcomas, cérebro e carcinoma adrenocortical na infância. Mas existem muitas outras, como: Síndrome de Lynch, Síndrome de Cowden, Síndrome de Peutz-Jegher, Polipose adenomatosa familiar (PAF), Melanoma Hereditário e Câncer Medular de Tireóide Familiar.

Mas, afinal, o que fazer diante de um resultado positivo?

Conforme mencionado, na maioria dos casos, um diagnóstico positivo não equivale a uma sentença de câncer. Mas indica um risco aumentado para determinados tipos de tumores, a depender da síndrome.

FAMILIARES

A boa notícia é que a realização bem indicada de um teste genético é capaz de trazer ganhos importantes em termos de prevenção, detecção e tratamento não só para o paciente, mas também para seus familiares —alterando o padrão de acompanhamento e a realização de exames preventivos. —Para quem tem um câncer, dependendo do tipo do gene mutado, isso pode influenciar no tratamento. Por exemplo, existem drogas específicas para mutação dos genes BRCA1 e 2 — pontua Maluf. A maioria dessas síndromes aumenta o risco de mais de um tipo de câncer. Isso significa que seu portador terá um seguimento diferente de pacientes sem a mutação, em termos de frequência de exames e recomendação de cirurgias profiláticas, que é a remoção de um órgão normal com alto risco de originar um tumor. Por exemplo, os protocolos para acompanhamento da síndrome de Li-Fraumeni incluem exames como ressonância magnética de corpo inteiro, colonoscopia e endoscopia a partir dos 25 anos. A realização de exames de rastreio é importante porque eles ajudam a identificar o câncer precocemente, o que aumenta substancialmente a probabilidade de cura. — A grande maioria dos cânceres são tratáveis quando diagnosticados precocemente —afirma Raskin. No que diz respeito às cirurgias preventivas, um caso emblemático é o da atriz Angelina Jolie. Com episódios de câncer na família característicos da síndrome, a atriz realizou um teste genético e obteve resultado positivo para a mutação em BRCA1. Diante disso, ela decidiu retirar as mamas e os ovários, como medida preventiva, uma vez que a probabilidade de ter a doença nesses órgãos era alta. Isso fez com que seu risco de câncer nesses órgãos fosse menor que o de mulheres sem a mutação. Outras cirurgias preventivas que podem ser recomendadas são remoção da tireoide, das trompas, do intestino e do estômago. Outro ponto fundamental são alterações no estilo de vida. Uma grande parte dos casos de câncer é causada por fatores ambientais como tabagismo, álcool, alimentação ruim, estresse, sedentarismo, exposição solar etc. Ter bons hábitos é fundamental para qualquer pessoa, ainda mais para quem já tem uma predisposição genética. — O gene mutado mais outros fatores de risco é uma combinação explosiva—alerta Maluf.

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