18 de junho de 2024

Qual a importância do estudo genético de material de aborto espontâneo precoce?

Cerca de uma em cada cinco a dez gestações reconhecidas clinicamente se encerram espontaneamente antes da décima semana gestacional (1). Estudos em gestações pré-clínicas apontam taxas de aborto de até 67% (2). Quando isto ocorre, a primeira tarefa do Obstetra é atender a gestante no sentido de preservar a sua saúde imediata. Após ou concomitantemente à esta etapa, é muito importante para a gestante que teve uma perda embriônica ou fetal, seja pelo aspecto psicológico, seja pelo aspecto de aconselhamento reprodutivo, que o Obstetra tente identificar porque a perda ocorreu. Neste momento difícil para o casal e em especial para a mulher, o Obstetra deve ter a consciência de que seu dever é não apenas zelar pela saúde da sua paciente, mas também pensar no futuro reprodutivo desta. Independente do estresse gerado pela perda, cabe ao Obstetra ter a frieza para solicitar já naquele momento único, quando ainda se dispõe de amostra embrionária ou fetal, os exames complementares necessários que poderão elucidar a causa da perda. Passado o choque emocional da perda, o casal retornará ao Obstetra, que certamente não escapará de 3 perguntas; “Por que isto ocorreu?”,  “Quais as chances de ocorrer novamente pelo mesma causa?”, “O que eu e/ou meu marido estamos fazendo errado?”.

Abortos repetidos precoces são definidos como duas ou mais perdas consecutivas no primeiro trimestre ou início do segundo trimestre de gestação, geralmente antes da décima quinta semana gestacional. É um dos problemas clínicos de reprodução mais freqüentes, apesar de que uma causa só consegue ser estabelecida em 50% dos casos, deixando muitas vezes a paciente frustrada. Mas certamente mais frustrada ainda ela ficará ao fazer as perguntas acima, e concluir que seu Obstetra não teve a frieza ou não se lembrou naquele momento de estresse de tentar descobrir a causa, ou tentou descobrir solicitando exames dispensáveis. O problema se complica pela enorme quantidade de protocolos diferentes de investigação que existem atualmente sobre abortos repetidos, deixando muitas vezes o Obstetra confuso em um momento de atuação que por si só já é tenso, pelo fim inesperado da gestação.

É fato que inúmeras causas podem levar a abortos espontâneos repetidos precoces, entre elas causas mecânicas, disruptivas, infecções,, erros na morfogênese, imunológicas, neoplásicas e metabólicas. Porém, qualquer que seja a fonte de informação, as alterações cromossômicas fetais são sempre citadas como responsáveis por mais da metade dos abortos espontâneos de primeiro trimestre, mesmo quando a gestação for anembrionada.  Sendo assim, na minha opinião, a análise cromossômica deveria ser o primeiro exame solicitado quando não se sabe a causa do aborto espontâneo de primeiro trimestre. Quando a perda ocorrer depois de 20 semanas de gestação, o feto não estiver macerado nem edemaciado por hidrópsia, a idade materna não for elevada, e a análise cuidadosa do feto demonstrar claramente a ausência de dismorfismos fetais, concordo que o cariótipo passa a ser um exame secundário na investigação, já que as chances deste se mostrar alterado passam a ser pequenas. Porém cabe lembrar que mesmo sob estes critérios, muitas vezes é difícil dizer se um feto é normal ou se tem, por exemplo, Síndrome de Down. Mas se a perda ocorreu antes da vigésima semana de gestação, já a partir do segundo aborto consecutivo, ou até no primeiro aborto em caso de idade materna avançada, o cariótipo do material de aborto deveria ser solicitado de rotina, o que na prática não tem se verificado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Edmonds DK e cols., Fertil Steril 38:447-453, 1982
  • Hook EB. Cytogenet Cell Genet 1982;33(1-2):101-6

 

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